Cesáreas em MT chegam a 62%

Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece em até 15% a proporção de partos cesáreas, em Mato Grosso esse percentual chega 62%, maior que a taxa nacional (56%). Dados do Ministério da Saúde (MS) mostram que desde 2015, o número de partos agendados no estado apresenta uma linha crescente, cenário que é justificado por inúmeros motivos, entre eles a falta de apoio na escolha pelo parto normal, tanto por parte de médicos como da própria família da gestante. Diante dos números, Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) reconhece que o tema é complexo e que uma mudança de cultura é necessária.

Levantamento mais recente do MS aponta que, em 2018, foram realizados no país 2,9 milhões de partos, sendo 1,6 milhão de cesarianas, o que corresponde a 56% do total. Em Mato Grosso o índice é ainda maior, ultrapassando a casa dos 60% desde 2015 e chegando a 62% em 2018.

Mãe de primeira viagem, a assessora administrativa Natália Pereira de Oliveira, 32, é uma das que seguiram na contramão da “epidemia de cesáreas” no Estado. Em janeiro do ano passado, após 14 horas de trabalho de parto, em um nascimento natural veio ao mundo o pequeno Emanuel Firmino. Inicialmente a escolha não foi apoiada pela família o que, segundo ela, foi um estímulo a mais para seguir com a ideia de ter uma parto normal. “Foi só para contrariar, de tanto que me perturbaram para fazer cesariana. Apenas meu marido apoiou de cara”, conta, aos risos.

Aos poucos os familiares foram aceitando a escolha de Natália, que também teve apoio do seu médico obstetra, que atende tanto de rede pública como privada de saúde. Seu parto foi particular, porém, realizado em um hospital público. Ela lembra que, apesar de tudo ocorrer bem até o nascimento do filho, o tratamento dado no local no pós parto foi terrível. Apesar dessa situação, a assistente administrativa acredita que a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) está preparada para atender as gestantes, o que deixa a desejar é o trabalho humano já que, segundo ela, faltam empatia e qualificação da equipe médica que atende as mulheres que buscam por atendimento nas unidades públicas.

Policial militar Christielly Daiane da Silva Botelho é mãe de 3 filhos, sendo o mais velho de 11 anos e a caçula de 2 meses que nasceram de parto cesárea, mas em circunstâncias diferentes. De acordo com ela, nas duas primeiras gestações ela chegou a esperar pelo parto normal, mas os planos acabaram mudando na hora do nascimento.

No primeiro parto ela chegou com 3 centímetros de dilatação no hospital e tomou medicação para acelerar o processo de nascimento. Um tempo depois o médico fez a ausculta cardíaca e, sem explicações, mandou preparar a sala de cirurgia, a colocou na cadeira de rodas e, uma hora depois, ela já estava com o filho Gabriel nos braços. A gravidez da filha do meio da policial chegou a completar 41 semanas de gestação com acompanhamento semanal.

Christielly não teve sinais que a levassem a acreditar que Nicolly, que hoje tem 5 anos, nasceria de parto normal e, após uma das consultas, o médico pediu que ela retornasse no dia seguinte para realizar a cesárea. “E eu sempre tive medo do normal porque minha mãe me assustava muito com as histórias dos partos dela. O interesse era pouco, mas mesmo assim eu entregava nas mãos de Deus. Ia ser o que ele permitisse”.

Na última gestação houve um planejamento familiar e a cesárea foi seguida da laqueadura. “Tireóide, sobrepeso, sangue RH negativo fizeram com que a gestação fosse classificada como de risco. Fui acompanhada por três médicos. Graças a Deus, minha filha Rebeca nasceu super saudável”.

Todos os filhos da policial nasceram na rede pública de saúde e, segundo ela, em todas as situações o tratamento foi bom. Com exceção do último parto, nos dois primeiros todos os médicos chegaram a sugerir que ela aguardasse pelo nascimento natural.

SUS versus rede privada
Médica obstetra, Caroline Paccola atende pacientes tanto da rede pública quanto privada de saúde, em Cuiabá. Quando se fala entre os tipos de partos, a médica é enfática em afirmar que existe diferença no atendimento prestado nestas duas redes. Segundo ela, no SUS a qualidade da assistência ao parto esbarra em uma série de deficiências que começam no pré-natal, passando por problemas estruturais e até de falta de profissionais, além de atualização e capacitação dos mesmos.

“Além disso, a assistência do pré-natal no SUS de Mato Grosso ainda é deficiente quanto à realização de exames essenciais como o teste de diabetes gestacional e ultrassonografias. E mais deficiente ainda numa das funções mais importantes do prénatal, a preparação da gestante e da família para o parto”.

Outro fator precário na rede pública, elencado pela médica, é a estrutura. Ela lembra que, apesar de existir uma lei estadual que dispõe da obrigatoriedade de todos os hospitais e maternidades, públicos e privados, terem sala adequada para a realização de parto natural ou humanizado, nenhuma das maternidades que atendem SUS em Cuiabá possui quartos PPP (préparto, parto e pós-parto) adequados.

Paccola enfatiza que, desde 2017, práticas humanizadas passaram a fazer parte das Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto. “Os médicos obstetras que não passaram por atualizações nesses anos continuam prestando assistência num modelo que, comprovadamente, gera mais resultados negativos. As maternidades ainda contam com muitos profissionais que não foram atualizados”, diz a médica, que acrescenta deficit também no que se refere às enfermeiras obstetras e a falta de analgesia de parto, recurso que, em falta faz, com que o parto se torne um sofrimento.

Segundo Caroline, na rede privada não existe a maioria dos problemas citados anteriormente. Entretanto, ainda há falha no que diz respeito a preparação da mulher para o parto. “Isso tem melhorado nos últimos anos com a introdução de iniciativas como o Projeto Parto Adequado, a criação de novos cursos de gestantes, rodas de conversas e outros momentos de interação que proporcionam maior informação para a família a respeito do parto”.

Segundo ela, o “calcanhar de Aquiles” da rede privada ainda são os obstetras que, desatualizados, continuam acreditando que o parto cesárea traz mais benefícios. “Sendo assim, a rede privada do Estado vive uma epidemia de cesáreas, com taxas de 60 a 90% de partos cirúrgicos”.

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