Por Felipe Iglesias
Aumento de 38% nos pedidos de Recuperações Judiciais no agro expõe efeitos de juros altos, quebras de safra e dólar instável – e cobra reação estratégica de produtores, credores e contratos bem amarrados
No vasto cerrado de Mato Grosso, acostumado a colheitas recordes de soja e milho, brota uma safra tão indesejada quanto prevista: a das recuperações judiciais.
Somente no primeiro trimestre de 2025, os pedidos de proteção contra credores no agronegócio saltaram 38% em relação ao mesmo período do ano anterior. É um salto preocupante que nenhum produtor gostaria de exibir em sua “vitrine de troféus”.
Quais as sementes desse crescimento amargo?
Há quem aponte a seca do crédito: com juros nas alturas e financiamentos escassos, as dívidas florescem onde antes havia lucro. Soma-se a isso as pragas climáticas – secas severas, quebras de safra inesperadas – e um dólar instável que ora encarece insumos, ora pulveriza margens, formando a tempestade perfeita sobre o campo. Em outras palavras, quando o custo de produzir dispara e o preço de venda oscila, o caixa do produtor balança como um galho no vendaval.
Do outro lado dessa equação, credores e tradings coçam a cabeça.
A trading que adiantou fertilizante em troca de soja vê agora a colheita escorrer por entre os dedos se o produtor pede recuperação judicial. Bancos e fornecedores, antes confiantes no pagamento “depois da safra”, enfrentam a dura realidade de renegociar prazos ou aceitar descontos forçados. É como emprestar o trator e recebê-lo de volta pela metade: o credor acaba refém do processo judicial, sem poder executar garantias e aguardando pacientemente na fila dos acordos – muitas vezes torcendo para que do plano de recuperação saia ao menos um fiapo do que emprestou.
Nessas horas, contrato bem-feito é guarda-chuva em tempestade. Cláusulas antes esquecidas no rodapé ganharam status de salvação. A famosa cláusula de cross-default, por exemplo, passou a frequentar cada vez mais os contratos empresariais: ela liga as pontas das dívidas, de modo que se o produtor deixa de pagar um financiamento, os demais credores podem declarar tudo vencido de uma vez.
Já as garantias robustas – terras em garantia, colheitas em penhor – funcionam como cerca de arame: delimitam um espaço de segurança para o crédito, dando ao credor uma posição privilegiada (ainda que a recuperação judicial coloque todos no mesmo pasto por um tempo). E não menos importante, as mediações prévias – palavrinha mágica que obriga as partes a conversarem antes de brigar nos tribunais (um acordo na sombra do galpão, quem sabe) e muitas vezes evita que desavenças virem batalhas judiciais dispendiosas.
Por fim, fica a urgência do agir preventivamente. Não adianta trancar a porteira com a boiada já solta. Muitos casos de insolvência só chegam ao advogado quando a situação está no limite. Como alertou um especialista, “muitas vezes a empresa chega tarde demais ao processo, com problemas tão avançados que inviabilizam a recuperação”.
A lição é clara:
- identificar sinais de dificuldade cedo;
- buscar assessoria jurídica e financeira;
- renegociar dívidas e ajustar rotas antes que o vermelho tome conta dos balanços.
No fundo, quem se antecipa ganha margem de manobra; quem espera o dilúvio afoga-se em papelada. Poderíamos dizer que cada um colhe o que planta. O agronegócio colheu um aumento de recuperações judiciais porque, em parte, semeou riscos – crédito farto, contratos frágeis e gestão temerária. Resta agora aprender com a estação ruim.
Na próxima safra, que tal plantar planejamento estratégico, cláusulas bem amarradas e prudência? Assim, a colheita futura poderá voltar a ser de prosperidade – e não de recuperações judiciais.
*Felipe é o sócio fundador, especialista em Direito de Empresas, previne conflitos e remedia litígios. MBA em Gestão Empresarial, vasta experiência.